Pictogramas nas Olimpíadas: Um Legado Visual e Cultural

Os pictogramas, como forma de comunicação visual, têm uma história rica que remonta às primeiras civilizações humanas. Desde as pinturas rupestres da pré-história até as formas mais complexas de escrita pictográfica na Mesopotâmia, os seres humanos sempre buscaram maneiras de expressar ideias através de imagens. No entanto, foi no século XX que os pictogramas encontraram uma nova relevância global, especialmente através dos Jogos Olímpicos e, assim, criararam um legado para os projetos e sinalização do século XXI.

O conceito de pictogramas olímpicos começou a se desenvolver nas Olimpíadas de Estocolmo, em 1912. Naquela época, havia uma tentativa de representar os esportes por meio de ilustrações, mas o esforço ainda estava longe de ser padronizado. Essas primeiras representações eram artísticas, mas careciam da simplicidade e clareza que os pictogramas modernos exigem.

 

Ilustrações para as Olimpíadas de 1912 a 1960. Fonte: Olympic Games – The Design, Markus Osterwalder

 

Foi somente em 1964, nas Olimpíadas de Tóquio, que os pictogramas assumiram um papel central como forma de comunicação visual. Diante do desafio de criar um sistema de sinalização que pudesse ser compreendido por visitantes de todo o mundo, o Comitê Olímpico de Tóquio convocou uma equipe liderada por Masaru Katsumi. Essa equipe incluiu designers renomados como Yoshiro Yamashita e Hiromu Hara, que se inspiraram tanto na herança cultural japonesa quanto em abordagens modernas de design.

 

Pictogramas Tokio 1964

 

A simplicidade e o dinamismo dos pictogramas criados para Tóquio 1964 estabeleceram um novo padrão. Os símbolos foram desenhados para capturar a essência de cada esporte com o mínimo de elementos gráficos. Por exemplo, o pictograma do vôlei, composto por poucas linhas e círculos, transmite a ação do jogo de forma instantânea e universal. Essa clareza visual, combinada com a influência de tradições artísticas japonesas como o ukiyo-e e a heráldica, resultou em um sistema de pictogramas que não só orientava os visitantes, mas também celebrava a cultura japonesa.

Os pictogramas de Tóquio foram tão bem-sucedidos que se tornaram parte integrante da identidade visual dos Jogos Olímpicos. Desde então, cada cidade-sede desenvolve seu próprio conjunto de pictogramas, muitas vezes incorporando elementos culturais locais. Por exemplo, os pictogramas das Olimpíadas de Cidade do México em 1968 foram inspirados nos antigos petróglifos maias, enquanto os de Sydney 2000 incorporaram a iconografia do bumerangue australiano.

Um dos legados mais duradouros dos pictogramas olímpicos foi o desenvolvimento do sistema de sinalização para o público em geral. Em 1972, Otl Aicher, responsável pelos pictogramas das Olimpíadas de Munique, criou um sistema geométrico que influenciou não apenas eventos esportivos, mas também a sinalização em aeroportos, hotéis e espaços públicos ao redor do mundo.

 

Pictogramas de Otl Aicher para as Olimpíadas de Munich 1972. 

A simplicidade e a universalidade dos pictogramas de Munique inspiraram a criação do sistema DOT (Departamento de Transporte dos Estados Unidos), que desenvolveu 50 pictogramas para uso em prédios públicos.

Pictogramas sistema DOT. Fonte: wikimedia commons.

 

A evolução dos pictogramas olímpicos reflete não apenas a necessidade de comunicação eficiente em um evento global, mas também a capacidade desses símbolos de contar histórias culturais. Nas Olimpíadas de Barcelona em 1992, por exemplo, o designer Josep Maria Trias criou pictogramas que imitavam pinceladas de tinta, evocando a estética gestual de Picasso e Velázquez, enquanto o mascote Cobi refletia uma abordagem cubista. Esses elementos visuais contavam uma história da herança artística espanhola.

 

Pictogramas Barcelona 1992

 

Mais recentemente, os pictogramas das Olimpíadas de Inverno de Lillehammer em 1994 foram inspirados por gravuras rupestres nórdicas de 5.000 anos, destacando a conexão profunda entre o passado e o presente. Esse uso de pictogramas como uma forma de storytelling cultural demonstra como esses símbolos evoluíram para se tornar mais do que simples ferramentas de orientação, mas também portadores de significado cultural e histórico.

 

Lillihammer gravura rupestre que inspirou os pictogramas das olimpíadas de inverno

 

 

Pictogramas para Olimpíadas de Inverno de Lillihammer 1994

 

Em resumo, os pictogramas olímpicos são um testemunho da evolução da comunicação visual ao longo do tempo. Desde suas origens rudimentares até os sistemas complexos e culturalmente ricos que vemos hoje, eles têm desempenhado um papel crucial em tornar os Jogos Olímpicos acessíveis e significativos para pessoas de todo o mundo. Cada conjunto de pictogramas não apenas facilita a navegação, mas também celebra a identidade cultural da cidade-sede, garantindo que os Jogos Olímpicos continuem a ser um evento verdadeiramente global.

Os pictogramas olímpicos, ao longo das décadas, evoluíram não apenas em complexidade, mas também em seu papel como embaixadores culturais e visuais. Nas Olimpíadas de Atenas 2004, os pictogramas projetados por Yiannis E. Moralis e sua equipe refletiram a rica história da Grécia antiga, incorporando elementos da arte e arquitetura clássica. Esses símbolos apresentaram uma elegância e simplicidade que continuaram a definir o padrão para a comunicação visual olímpica.

Em Pequim 2008, os pictogramas desenhados por Lin Cunzhen integraram elementos da caligrafia chinesa e foram projetados para refletir a energia e dinamismo dos esportes. A série apresentou um visual vibrante e contemporâneo, mantendo um equilíbrio entre modernidade e tradição, o que ajudou a comunicar de forma eficaz os eventos em um país de rica herança cultural.

Londres 2012 marcou um ponto de inflexão ao apresentar pictogramas com um estilo mais anguloso e dinâmico, projetados pelo estúdio de design Wolff Olins. Esses símbolos, caracterizados por formas geométricas e linhas energéticas, refletiram o espírito inovador dos Jogos e foram um marco na adaptação dos pictogramas a um público mais jovem e globalizado.

Os Jogos Olímpicos de Rio 2016 introduziram pictogramas com um design inspirado nas formas orgânicas e fluidas da natureza brasileira. Os pictogramas, desenvolvidos por uma equipe liderada por o designer brasileiro Fabio Nascimento, capturaram a diversidade e a vivacidade do país, incorporando elementos da fauna e flora local, como o contorno do tucano e a palmeira, para refletir o espírito alegre e inclusivo dos Jogos.

 

 

Os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 (realizados em 2021 devido à pandemia) foram uma verdadeira celebração do design minimalista e da tecnologia. Criados por Ryohei Yoshida, os pictogramas de Tóquio 2020 foram projetados para refletir o conceito de “Mottainai” (apreciação pelo uso eficiente de recursos), apresentando uma estética limpa e moderna que enfatizava a sustentabilidade e a inovação tecnológica.

 

Pictogramas Tokio 2020

 

Os pictogramas olímpicos de Paris 2024, segundo seus criadores, representam uma abordagem inovadora e moderna para a comunicação visual dos Jogos. Inspirados em brasões de times esportivos e símbolos heráldicos, os 62 pictogramas são compostos por elementos geométricos e estilizados, que combinam esporte e arte em um design que visa refletir a tradição e o espírito contemporâneo da França.

No entanto, a escolha desse estilo gerou controvérsias pois a complexidade dos pictogramas compromete a clareza e a simplicidade, características fundamentais para a sinalização universal e acessível. Além disso o design criado parece dificultar a identificação rápida dos esportes representados, o que contraria o propósito funcional dos pictogramas. A discussão também envolve debates sobre a manutenção da tradição versus a inovação, levantando questões sobre o equilíbrio entre o legado olímpico e a modernização das suas representações visuais.

Em resposta às críticas, os criadores defenderam sua abordagem enfatizando que os pictogramas não são apenas símbolos funcionais, mas também elementos de identidade visual que capturam a essência dos Jogos e a cultura francesa. Eles argumentaram que a complexidade dos pictogramas é intencional, projetada para diferenciar os Jogos de Paris 2024 dos eventos anteriores, ao mesmo tempo que homenageia a herança artística do país. Além disso, os designers afirmaram que os pictogramas foram desenvolvidos com uma ênfase em estética e flexibilidade, permitindo que fossem usados em diversas aplicações, desde a sinalização até o merchandising, sem perder sua integridade visual.

Porém a justificativa não convence. Os símbolos desenvolvidos suscitam tamanha confusão que até foi criado um “jogo de adivinhação” para que as pessoas tentem descobrir a qual esporte se refere o desenho criado.

 

Jogo dos pictogramas: https://interativos.ge.globo.com/olimpiadas/nanopops/pictogramas-de-paris-2024

 

De qualquer maneira, historicamente os picogramas olimpicos historicamente se consolidaram como um meio de expressão cultural e artística, enriquecendo a experiência dos espectadores e reforçando a identidade das cidades-sede. A evolução dos pictogramas reflete a capacidade contínua dos Jogos Olímpicos de se adaptar e inovar, enquanto permanecem fiéis à sua missão de unir o mundo através do esporte e da cultura.